ARTIGO

A POÉTICA TECNOLÓGICA NAS OBRAS DE DÊNIS DA COSTA FELIZ NO SALÃO DE ARTE DE MATO GROSSO DO SUL - MÚLTIPLAS LINGUAGENS
Por: Eliana Barbosa

      
      
       A Arte através dos tempos tem sofrido inúmeras transformações de acordo com a evolução humana. A título de ilustração, desde a pré-história o homem necessita expressar visualmente as suas ideias, e o fazia pintando animais nas paredes das cavernas, de maneira ritualística. Nesses rituais, o animal seria supostamente dominado e submisso, significando uma caçada bem sucedida.
       O homem e as Artes nasceram e evoluíram juntos e para essa evolução utilizou-se de mecanismos para produzir questionamentos sobre si mesmo e sobre as coisas do mundo, materializar sonhos, ideais e ideologias.
       As Artes, da mesma forma, evoluíram acompanhando o crescimento dos mecanismos de expressão. Ao passar a utilizar o carvão, a pedra, o excremento e outros utensílios para desenhar nas paredes das cavernas, o homem precisou criar e aprimorar as ferramentas para que estas constituíssem um instrumento de materialização de suas ideias.
       O acesso ao conhecimento fez com que buscasse na tecnologia um meio facilitador do processo criativo e de suas formas de representação, o que é claramente observado nas obras pós-revolução industrial, como expressão da era moderna, e no conceitual da Arte Contemporânea.
       Nos dias atuais, o artista contemporâneo cria sua obra de maneira que demonstre ao apreciador a sua reflexão sobre o mundo e sobre si mesmo, conforme ensina Bourriaud (2009, p. 38):

(...) a arte tinha como objetivo estabelecer modos de comunicação com a divindade: ela desempenha o papel de uma interface entre a sociedade humana e as forças invisíveis que regiam seus movimentos, ao lado de natureza representante da ordem exemplar que, compreendida, expressaria os desígnios divinos. Aos poucos, a arte abandonou tal pretensão, passando a explorar as relações existentes entre o homem e o mundo.

        Na obra do artista Denis da Costa Feliz, objeto deste trabalho, em exposição no Salão de Arte de Mato Grosso do Sul, com o tema “Múltiplas Linguagens”, observa-se a utilização das poéticas tecnológicas para expressar uma reflexão sobre o homem.
       A arte tecnológica é a que ocorre com a utilização de recursos técnicos, mecânicos, dispositivos eletro-eletrônicos ou quaisquer outros que possam materializar um conhecimento científico.
       Neste artigo pretende-se a realização de uma análise, ainda que superficial, da obra do artista em tela, com a finalidade de entender o processo criativo, a linguagem empregada e o próprio objetivo do autor. Isso possibilitará situá-lo conforme os ensinamentos de autores contemporâneos que se dedicaram ao estudo do mesmo segmento da Arte.
       O Artista é um ser inquieto que tem a necessidade de produzir e criar novas maneiras de expressar suas idéias, reinventando formas de dialogar com o espectador e de provocar os sentimentos. Sua sensibilidade é única e própria, por isso o artista contemporâneo vive em constante busca das novas tecnologias.
       Para tanto, utiliza-se de técnicas de criação que, somadas às características próprias, o vinculam à determinadas classificações didáticas, com a finalidade de facilitar o estudo e o entendimento da mensagem veiculada na obra.
       No caso presente, observa-se, na obra analisada, que o artista produz os seus trabalhos, usando os recursos proporcionados pela informática, para manipular fotografias digitais, modelando-as em 3D.
       Isso, já, à primeira vista, o insere no segmento denominado arte tecnológica, a qual, segundo Lúcia Santaella (2008, p. 152), nasceu com a revolução industrial e o surgimento da máquina fotográfica.
Grandes mudanças nesses princípios, que duraram alguns séculos, se deram com a revolução industrial. Com ela, surgiram não apenas máquinas capazes de ampliar a força física muscular do homem, mas surgiu também uma máquina para se produzir imagens: a câmera fotográfica. Tem-se aí o fim da exclusividade do artesanato nas artes e o nascimento das artes tecnológicas.
       
      Assim, a partir da câmera fotográfica, abriram-se infinitas possibilidades de criação que, com o advento do computador e da fotografia digital, elevaram-se exponencialmente, permitindo ao artista a plena capacidade de externar a sua criatividade.
      Nesse sentido, Rush (2006, p. 163), citando Fifield (1997), concorda que nos artifícios de criação digital se encontram “a possibilidade de reposicionar e combinar sem esforço imagens, filtros e cores, dentro do espaço sem atrito ou gravidade da memória do computador, dá aos artistas a liberdade para criar imagens jamais imaginadas”.
       Lúcia Clemente Leão (2005, p. 251), por sua vez, esclarece que, na arte tecnológica, a tecnologia extrapola os limites da técnica porque esta é pessoal, carregada com a massa das características individuais do artista.

Enquanto a técnica é um saber fazer, cuja natureza intelectual se caracteriza por habilidades que são introjetadas por um indivíduo, a tecnologia inclui a técnica, mas avança além dela. Há tecnologia onde quer que um dispositivo, aparelho ou máquina for capaz de encarnar, fora do corpo humano, um saber técnico, um conhecimento científico acerca de habilidades técnicas específicas.

              Finalmente, para realçar as características do autor e facilitar a compreensão do tópico a seguir, acrescentam-se as três obras a seguir (fig. 01), do artista Dênis da Costa Feliz, constantes do acervo apresentado na exposição “Múltiplas Linguagens” no Museu de Arte Contemporânea de MS, Salão de Arte do Mato Grosso do Sul.






       A obra, “Humano e Vegetal”, compõe o acervo da mostra “Múltiplas Linguagens” do Salão de Arte do Mato Grosso do Sul e é de autoria do artista contemporâneo Dênis da Costa Feliz.
       O artista faz uso da fotografia digital com aplicação da técnica da modelagem 3D, criando uma ligação singular entre o ser humano e outros organismos vivos.
       Esse retrato (fig. 02) mostra uma pessoa de semblante contemplativo que se integra com elementos da natureza, constituindo uma união perfeita e harmoniosa, conforme se observa na figura abaixo.
Fig.02 – “Humano e vegetal”, Dênis da Costa Feliz. Técnica: modelagem 3D – fotografia digital
Dimensões: 42 x 59,4 cm – Ano 2009


       Para introduzir essa ideia de integração entre homem e o seu ambiente, o artista cola, separa e acrescenta elementos de luz, sombra e volume, em maior ou menor intensidade, para criar texturas, e, ao final, compor o retrato de uma pessoa que se metamorfoseia com elementos da natureza.
       A obra de Dênis faz uma ponte entre a arte do passado e a arte atual, assemelhando-se à Arte maneirista de Giuseppe Arcimboldo (1527 - 1593) que utilizou elementos da natureza, tais como: água, animal e vegetal, para compor rostos e fisionomias humanas.
      Essa semelhança pode ser observada nos retratos abaixo, que possuem perfis de pessoas caracterizados pelos elementos que os compõem. Assim, em “A Primavera” a figura é composta basicamente por flores, em “O Verão” e “O Outono”, as imagens são formadas por legumes e frutas de suas épocas, e na obra “O Inverno” a imagem se origina pela conjunção das raízes, folhas e frutos.



           




 “A Primavera”, “ O Verão”, “O Outono” e “O Inverno”, Giuseppe Arcimboldo.
                                
        Enquanto Arcimboldo manifestou a sua criatividade se utilizando de técnicas artesanais, o artista contemporâneo utiliza-se de dispositivos de informática como ferramenta de composição de suas obras, permitindo localizá-lo, com exatidão, nas poéticas tecnológicas.
        Realmente, conforme já mencionado, se a arte tecnológica é a produção de uma obra por meio de equipamentos externos ao artista, pode-se, então, afirmar que Dênis da Costa Feliz, com a sua modelagem 3D aplicada à fotografia é um seguidor dessa escola. Nesse sentido, o seguinte comentário de Lucia Santaella (2008, p.153):


Enquanto as ferramentas técnicas, utilizadas para a produção artesanal, por exemplo, de imagens, são meros prolongamentos do gesto hábil, concentrado nas extremidades das mãos das mãos, como é o caso do lápis, do pincel ou do cinzel, os equipamentos tecnológicos ou “aparelhos“, segundo a denominação de Flusser (1985). São máquinas de linguagem mais propriamente semióticas. Sem deixar de ser máquinas, elas dão corpo a um saber técnico introjetado nos seus próprios dispositivos materiais.
    
        No retrato, observa-se que a figura humana tem os traços característicos alterados por meio do equipamento exterior utilizado pelo autor. Através da manipulação da imagem em computador, o cabelo foi substituído por elementos vegetais, com fungos e cogumelos incrustados no pescoço, e a barba trocada por raízes de plantas, sem contar os efeitos de luz e sombra que realçam as modificações realizadas.
       Para finalizar este tópico, interessante inserir o seguinte comentário do próprio artista, Denis Costa Feliz, como referencial para o entendimento da mensagem contida em sua obra:


A obra, “Humano é meio ambiente” representa o quanto somos integrantes de um sistema complexo e interdependente. As telas ilustram de maneira crítica e direta o quanto somos perecíveis e estamos cada vez mais distantes da nossa própria natureza animal. Faz-nos refletir sobre nossa presença e ação no mundo e o quanto nossa capacidade de dominação pode nos levar ao caos ambiental e, consequentemente, a nossa própria aniquilação. Uma obra em que está latente a cegueira do orgulho humano.           
https://www.behance.net/gallery/569567/Human-and-nature
        Assim, observa-se que a arte contemporânea de certa maneira é um produto da conscientização do homem e de sua necessidade de se expressar por meio dela, e que passaram por inúmeras transformações ao longo do tempo e, nessa trajetória, observa-se um elo entre o processo criativo e os instrumentos e ferramentas utilizadas, surgindo, assim, uma nova conceituação para individualizar as variadas formas de produção de arte.
       A arte tecnológica é resultado dessa distinção, pois se utiliza de recursos produzidos pela evolução do conhecimento em diversas áreas, como ferramentas à disposição do artista no seu processo criativo.
      Ao realizar uma análise da obra de Dênis da Costa Feliz, verificou-se a existência de peculiaridades que, conforme os ensinamentos de autores contemporâneos, possibilitaram situá-lo no segmento denominado poéticas tecnológicas.
      Realmente, a linguagem empregada pelo artista demonstra claramente sua vinculação a essa poética, uma vez que utilizou a tecnologia como instrumento para expressão de uma mensagem.
      De fato, para a manipulação da fotografia digital com a técnica da modelagem 3D, utilizou-se dos recursos da informática, que é o referencial fundamental para classificar o artista no segmento de arte mencionado.
      O artista trabalha a figura humana, mesclada com elementos da natureza, e, assim, compõe com texturas e cores um clima bucólico e reflexivo do retratado, com vistas a remeter o espectador ao questionamento acerca da relação homem e meio ambiente.
     Isso porque, uma obra de arte não se dá apenas pela idealização e combinação de cores, formas, palavras, mas sim, também pela atribuição de sentido, vida e expressão a um objeto encontrado na natureza ou mesmo a uma simples intervenção nesse.
     Para finalizar, resta ressaltar a propriedade com que o artista se aproveita das vantagens proporcionadas pela tecnologia, pois, ao se utilizar dos recursos tecnológicos em geral, e se beneficiar das facilidades que essa ferramenta possibilita, estabelece uma comunicação com o espectador, como forma de expressão da mensagem inicialmente proposta.


REFERÊNCIAS

ARCIMBOLDO, Giuseppe. . Acesso em 03 de março, 2010.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009.
DOMINGUES, Diana. A Arte no século XXI: A humanização das tecnologias. São Paulo: Unesp,1997.
FELIZ, Dênis da Costa. Disponível em . Acesso em: 25 de fevereiro, 2010.
LEÃO, Lucia Clemente. O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Senac, 2005.
MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. 3 ed. São Paulo: USP, 2001.
RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SANTELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós humano. Da cultura das mídias à cibercultura. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2008.
SOUSA, Richard Perassi Luiz. Roteiro didático da arte na produção do conhecimento. Campo Grande: UFMS, 2005.

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